CRÓNICAS DE VIAGEM
Desde Vila Viçosa na Rota do Ouro Negro
Um passeio pelas aldeias serranas de Arouca
e um piquenique no planalto da Freita
Por Carlos Oliveira *
De Rio de Frades a Tebilhão, passando por Cabreiros e pelo lugar do Cando, este percurso de montanha que hoje apresento como sugestão, leva o visitante a percorrer lugares de encantamento da Serra da Freita e descobrir a imensa beleza da paisagem serrana do norte do distrito de Aveiro.
A viagem feita por caminhos antigos, na rota do volfrâmio, começa no pequeno largo da antiga e típica aldeia de Rio de Frades, pertencente à freguesia de Cabreiros, a onde chegamos depois do desvio feito em Ponte de Telhe, lugar típico junto ao Rio Paivô e integrante da freguesia de Moldes, uma das vinte que fazem parte do território de Arouca.
Consta que esta povoação foi fundada por frades jesuítas, que ali procuraram refúgio na época pombalina, aquando da extinção das Ordens Religiosas, daí a denominação que o lugar assumiu desde então. O percurso é feito por estrada estreita de asfalto até ás antigas instalações mineiras, ligadas à exploração e extracção do volfrâmio, onde existe um pequeno núcleo habitacional alojado na parte do que resta das estruturas das minas.
Foi em Rio de Frades, durante a Segunda Guerra Mundial, que os alemães organizaram o seu centro de exploração mineira de volfrâmio, minério rico que captavam em múltiplas minas abertas nos montes das cercanias, para utilizarem depois no fabrico de armas e munições, com vista ao seu endurecimento e maior resistência bélica.
As primeiras minas de volfrâmio nesta região de Arouca, que atraíram centenas de homens para trabalhar na exploração, foram demarcadas em 1914, e foram abandonadas depois do final da guerra mundial, encontrando-se hoje em ruínas as estruturas desse centro mineiro.
No tempo da exploração do minério, os empregos eram raros nesta região do concelho de Arouca, onde a maioria da população trabalhava numa agricultura de subsistência, o que proporcionou uma grande oferta de postos de trabalho, atraindo todo o tipo de gente para esta zona da serra, desde gente séria e trabalhadora, a vigaristas, ladrões e arruaceiros.
O curioso é que, do outro lado da montanha, para os lados de Regoufe, eram os ingleses que dominavam a exploração do volfrâmio, o que significa dizer que, enquanto no cenário do conflito mundial as duas potências europeias se degladiavam, por estas paragens da serrania de Arouca, alemães e ingleses coabitavam de forma pacífica, apenas preocupados com a dimensão das suas explorações mineiras para alimentar a guerra que se desenrolava a poucos milhares de quilómetros.
Depois de passar por algumas galerias das antigas minas e respectivas cascalheiras, o viajante deve prosseguir, durante algum tempo, pela curva de nível, sem subir ou descer, à vista do Rio Frades, que corre lá ao fundo pouco tumultuoso, por entre apertadas gargantas e penhascos.
Logo de seguida, inicia-se uma suave descida que vai levar-nos ao pequeno pontão pela qual é feita a travessia do riacho, seguindo-se depois a subida constante até à povoação de Cabreiros, em pleno coração da serra.
Cabreiros domina a serrania, já em pleno caminho do Maciço da Gralheira, sendo sede de freguesia com mais três aldeias, Tebilhão, Cando e Rio de Frades, mas seguindo em frente pela vertente da serra, já nos horizontes do lado de S. Pedro do Sul, valerá a pena dar também uma espreitadela a Drave, a aldeia dos Martins, camuflada na cova de uma prega da montanha, junto ao Ribeiro de Palhais, afluente do Paivô, agora terra abandonada, recebendo de, quando em vez, um acampamento de patrulhas de escuteiros ou os aventureiros dos “raides “ todo-o-terreno, que descem à profundeza da aldeia, a 4 km num vale que mete medo e que exige uma condução muito atenciosa.
Com mais de 250 habitantes, a freguesia de Cabreiros apresenta recantos bem preservados e tem como principal actividade económica a agricultura e a pastorícia, e o património cultural e edificado resume-se à Igreja Matriz e à Capela de Santa Bárbara, que servem como sugestões para completar a visita a estas paragens, aconselhando-se sempre uma passagem pela aldeia tradicional do Cando, localizada junto à estrada municipal, aberta pelos militares da Engenharia de Espinho, aos moinhos de água e à Serra da Cabreira.
Logo à saída, um pouco mais à frente chegamos a um encruzilhada, local onde a imaginação popular diz aparecer bruxas e lobisomens em noite de lua cheia.
As cinco alminhas, dedicadas a S. Bartolomeu, S. José, Stª Isabel, S. João e S. Pedro, colocadas em cada esquina, estão lá para os esconjurar.
Vale a pena parar em Cabreiros, sem esquecer os caminhos e veredas que aqui se entroncam, mas já o lugar do Cando, apesar da sua pequenez, tem uma enorme beleza, podendo mesmo dizer que é um pequeno oásis de deslumbramento perdido na imensidão da Serra da Freita.
Seguimos depois para Tebilhão, o trajecto entre as duas aldeias apresenta paisagens únicas, do lado de Cabreiros avistam-se as leiras em socalcos onde os habitantes promovem uma agricultura de subsistência, e do lado de Tebilhão avista-se o casario da terra de Cabreiros e o verde que cobre os campos de cultivo que a cercam.
A paragem neste magnífico vale de berço deve ser demorada, para espreitar as ruelas e recantos, falar com os habitantes, quer para dar uma vista de olhos aos vales apertados do Rio de Frades e seus afluentes, que compõem a paisagem.
São cenários agrestes mas impressionantes, que fazem o viajante meditar sobre o imenso esforço, despendido ao longo dos tempos pelos residentes, para dominar a montanha e construir um espaço de vida e uma paisagem de encantar.
Prosseguimos o trajecto, que a hora do tacho já vai adiantada, passamos junto à Capela de Santa Bárbara, a padroeira dos mineiros e atingimos a Carreira dos Moinhos de Tebilhão, junto à estrada de asfalto que veio ligar a aldeia ao Mundo.
Aqui existe um marco geodésico que assinala a altitude, calcula-se um desnível de mais de 500 metros desde a zona de Rio de Frades, e voltamos pelo mesmo caminho até Cabreiros, onde na rua central “alapamos o rabo” num estabelecimento comercial, para tomar o cafezinho da praxe e refazer energias para enfrentar a descida até ao local da partida.
Retemperadas as forças, voltamos ao caminho, agora com o Vale do Paivó aos pés, com montanhas a perder de vista, até à mais alta cumeada da Serra do Montemuro, onde temos prometida uma “ tainada “ no S. Pedro, constituindo tudo numa paisagem inesquecível que nos aguça a vontade de tudo perpetuar em fotografia.
O silêncio envolvente que se regista pelo caminho apenas é quebrado pelo sibilar suave de uma brisa fresca que desce da montanha e, aqui e além, pelo canto das aves, ou pelo voo tranquilo de uma águia de asa redonda.
A hora já ia tardia e o estômago roncava por todos os lados, afinal o farnel na mala do carro já devia ter sido devorado, quanto mais não fosse pelo inusitado facto de comer o almoço na hora do lanche.
Desde Ponte de Telhe, sempre a subir, regressamos em direcção à Portela de Moldes, e hesitamos numa visita ao alto da Senhora da Mó, onde também a paisagem sobre o Vale de Arouca é soberba e existe um local aprazível para piqueniques e convívios.
A Serra da Freita com a sua vasta extensão, alberga no seu seio, espécies faunísticas e florísticas raras, algumas mesmo em vias de extinção, e por aqui não é difícil encontrar, por entre a urze a carqueja, o azevinho e os medronheiros, o lobo ibérico, o javali, o gato bravo e a águia de asa redonda.
Para além do fenómeno da granitização único no país e raríssimo no Mundo, retratado nas “ pedras parideiras “ da Castanheira, vale a pena conhecer estas aldeias plenas de rusticidade, carregadas de tradição e de história, terras de gente humilde e laboriosa, que se perdem aqui e ali no meio de paisagens deslumbrantes, constituindo um encanto para a vista e um bálsamo para o espírito.
A ideia era ir comer ao Merujal, ali junto ao acolhedor Parque de Campismo ou nas imediações da Capela da Senhora da Laje, onde a água é fresca e abundante, mas acabamos por descobrir um local paradisíaco, junto ao Rio Caima, ali junto ao centro da freguesia da Albergaria da Serra, a poucas dezenas de metros da famosa e conhecida Frecha da Mizarela, uma queda de água com mais de 60 metros de altura, e hoje o principal ex.libris da Serra da Freita.
Uma oportuna intervenção municipal privilegiou um espaço apetecível e com potencial turístico, que convida ao descanso, que é como quem diz, a uma demorada soneca, depois do ataque ao tacho dos panados e coxas de frango, depois de umas fatias do famoso Pão-de-Ló de Arouca, tudo regado com um tinto encorpado de Bairros da Quinta do Burgo, do amigo Barbosa, e de um afamado espumante de vinho verde Saramagosa, da Quinta do Covêlo, de Castelo de Paiva, uma produção de excelência sob a tutela do Carlos Costa Oliveira, recentemente premiado no concurso anual da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes.
O regresso pela vila de Arouca contemplou, como não podia deixar de ser, uma visita à Casa Testinha, onde os amigos José Augusto e Carlos Alberto, que sempre recordo com estima desde os tempos de estudante, continuam a servir com a mesma simpatia e atenção, mostrando que o sucesso da casa continua a passar pelo dinamismo, comunicabilidade e afabilidade dos patrões.
Aqui fala-se de futebol quase sempre, mas come-se um frango frito e uma carne assada que são divinais, ao ponto de não ser nenhum exagero, se disser que esta é uma referência gastronómica da vila, onde novos e velhos, ricos e pobres, comem à mesma mesa e sempre com um gosto que se renova a cada dia. A caminho de Canelas, no alto de Mealha, junto à EN 326, ainda tivemos tempo de visitar o Centro de Interpretação Geológica / Museu dos Fósseis, e admirar as obras ali realizadas, uma estrutura importante no roteiro turístico do concelho e já considerado como uma mais valia para a própria Região de Turismo da Rota da Luz, organismo sedeado em Aveiro.
Aqui encontram-se alguns dos maiores e mais raros fósseis, espécies únicas no Mundo, que nos permitem potenciar o estudo da origem e a evolução da vida na terra, imaginando os crustáceos marítimos que dominavam o planeta na Era Paleozóica e que viviam em águas profundas ou superficiais, extinguindo-se há milhões de anos.
Chegamos a casa, depois da passagem pela zona fluvial da Espiunca, onde se evidencia a verdadeira pista de águas bravas do Rio Paiva, uma das melhores do género no país, cada vez mais procurada pelos amantes dos desportos radicais, mais concretamente os entusiastas do rafting, que aqui vão ter em breve um Centro de Aventura, pronto a acolher os diversos operadores, que todas as semanas trazem aventureiros para as descidas nas águas tumultuosas do rio.
* Jornalista