sexta-feira, 3 de abril de 2009


Crónica


A VIDA EM REFLEXÃO

PARVO OU ESPERTO: EIS A QUESTÃO






Por Carlos Oliveira *

Já por várias vezes dei comigo a concretizar a interrogação sobre as vantagens de ser parvo ou esperto, ou mesmo trabalhador dedicado ou malandro calaceiro. Já muitas vezes olhei à minha volta, procurando descobrir no maralhal da vida os parvos e os espertos e encontrei alguns exemplares que marcaram a minha modesta apreciação, para depois os separar com a joeira da minha consciência e escolher o lado mais conveniente.
Todavia, é difícil de conseguir…
É que eles, os que mudam de roupagem de forma constante, confundem-se de tal maneira que, quem os tentar separar, arrisca-se a ser enganado e a enganar os outros.
Vestidos com a mesma roupagem, a capa da fortuna ou do infortúnio, conforme o interesse do momento, rumando para o mesmo objectivo que é conseguir melhor vida com menos esforço, ainda que para isso se ultrapasse as regras do bom senso e da cordialidade, tomando no dia-a-dia as mesmas atitudes, surge a interrogação sobre quem os conseguirá apontar ?
Quem conseguirá distinguir o verdadeiro artista, aquele que ignora o que é ser nobre, a firmeza de carácter e despreza o sentido da dignidade, aquele que vive e vibra repleto de vaidade com o papel que desempenha, do mau actor que, bem pintado e bem vestido, estudou o papel que lhe distribuíram e o representa, embora não o sentindo, sem falhas aparentes.
Dizem que na vida há lugar para todos e que todos têm um papel a desempenhar, mas na verdade, muitos ficam para trás aniquilados traiçoeiramente, ou desfeitos por uma carga emocional fabricada com evidentes propósitos. A vida está cheia de exemplos...maus exemplos...
Entendo que devemos ser complacentes para com os pobres de espírito, como deveremos ser críticos para com os “chicos – espertos “, aqueles que o PR destacou há tempos numa conferência, sobretudo com aqueles que se envaidecem com uma inteligência saloia, sustentada por um qualquer canudo conseguido numa universidade de origem duvidosa e pago com o dinheiro fácil do papá.
E, na verdade, eles pululam por aí...
E a verdade é que, infelizmente, ambos os estilos têm de coabitar neste mundo, onde metade anda a enganar a outra, numa hipocrisia doentia que a todos atinge e aflige.
Dizia-me há dias um amigo, que sentia revolta que os descontos dele, andassem a servir para sustentar vagabundos, malandros, calaceiros, e gente sem escrúpulos que, prefere andar a coçar as calças e as saias no café, do que trabalhar ou contribuir de forma positiva para a sociedade...tudo com o generoso aval do Estado, via Segurança Social...
Dizia ele e com razão.... a sua revolta é a de muita gente, que conhece casos a cada virar da esquina!!!
Os valores do respeito, da verticalidade e da educação, metodologias que outrora ajudavam a moldar o carácter do homem, hoje não são mais do que teorias retrógradas, esquecidas por uma sociedade parasitada, onde o vagabundo, o burlão e o vigarista é mais respeitado do que aquele que trabalha de sol a sol para manter a família e a levar uma vida condigna, onde a ladroagem passeia impune e os ingénuos metidos na choldra, onde os próprios juízes são obrigados a soltar os criminosos porque a lei assim os favorece.
Do estratega ao merceeiro vai uma grande diferença e seria um erro imperdoável se os confundíssemos. Embora ambos tenham no negócio a sua orientação de vida, a sua prática de acção, eles terão, sem dúvida, de ser diferentes.
Se o merceeiro pode impôr os seus artigos, evidenciando a astúcia comercial, o estratega terá que, muitas vezes, submeter-se à " graxa ", a lamber as botas ao dono, concordar com o que discorda e ser cuidadoso na apresentação da sua táctica, sob pena de ela nunca o levar ao êxito.
No entanto, na prática da vida, tal como os treinadores que se caracterizam entre o epíteto de bestas e bestiais, observo que há tipos que, tendo nascido para merceeiros, pela sua postura e técnica assumidas, mais parecem estrategas, como também há estrategas que, pela sua infantilidade, mais parecem verdadeiros asnos.
E depois, há sempre aquele aspecto, de não interessar muito ter ao lado do chefe um tipo dedicado, trabalhador, com ideias e bom conselheiro, mas sim um gajo simplista, subserviente e de inferior intelectualidade para ser calcado a todo o momento e não ir muito longe. É a política do preservativo.
Usa-se, utiliza-se enquanto necessário, e depois, consolidado o poder, os objectivos, deita-se fora...
É nesta forma de viver há muita gente exímia, alargando-se a teia entre aqueles que, frustrados por não ver o seu trabalho reconhecido, são obrigados a partilhar espaços e momentos com aqueles que são distinguidos pela sua inércia, desinteresse e incapacidade, para não falar em ignorância latrinária.
A anedota pronta, a gargalhada oportuna, o aperto de mão e a palmadinha nas costas, para além de um sorriso cínico, são argumentos que confundem e enganam, mas conquistam interesses.
A vénia larga, a mesura constante e a engraxadela subtil amolecem a leve observação a ponto de cercear a crítica e de entender o que é legítimo e correcto. Porém estas atitudes não resistirão, com facilidade, ao bisturi do crítico imparcial, a menos que a corrupção consiga vencer os fluxos da dignidade e ultrapasse a sensatez que interessa preservar.
São atitudes que podem surtir efeito numa roda de amigos, depois de um jantar ou de uns copos, onde o calor do álcool aquece o espírito e predispõe para a bonomia, mas na sociedade real onde cada um reserva os seus trunfos para a jogada final, procurando liquidar o adversário que antes considerava colega e amigo, a coisa já não será assim tão fácil.
E por isso não admira a minha surpresa, conhecendo nós os meandros da " sacanice humana ", onde depressa se esquece aqueles que nos fizeram bem e nos estenderam a mão quando a vida estava difícil e complicada.
Das duas uma: ou eles, os espertos, são mais finórios do que mostram, e não se importam de vender a “ alma ao diabo”, ou então nós somos muito ingénuos, e trabalhamos para não sair da " cepa torta " .
É que, pelo que se vai observando por aí, vale a pena assumir o papel de parvo e de “ totó “ pois eles conseguem o que querem, e nós, a quem nos apelidam de espertos, os que damos a cara em prol do progresso e do sucesso de outros, só temos fama e não proveito e ficamos a ver a " banda a passar ".
Tal como dizia Helena Sacadura Cabral num dos seus notáveis artigos, " em Portugal há a longa tradição do lamúrio, da inveja, da cobiça e da preguiça “.
Os valorosos e os trabalhadores raramente são reconhecidos, e os mais inteligentes e dedicados constituem o repasto ideal para a calúnia dos calaceiros e inúteis, enquanto outros, aqueles que vivem da facilidade e da teoria do" sombrero", a vida quase sempre, corre-lhes de feição...”
Mas, na expectativa de melhores dias, neste tempo impiedoso de crise generalizada, recordo com saudade, o boneco do Engº Guterres na série " Contra - Informação " da RTP, “... é a vida ... “

* Jornalista