Roteiro de Viagem
Desde Vila Viçosa na Rota do Volfrâmio
S. Macário atrai milhares de peregrinos
na disputa entre dois lugares de culto
Reportagem de Carlos Oliveira
Mar-2007
Já por diversas vezes fui ao Monte S. Macário, em passeio ou integrado em provas de todo-o-terreno, mas este ano resolvi ir à festa que, anualmente, no último Domingo de Julho, leva milhares de peregrinos e forasteiros a subir aquela serra, encravada na imensidão do maciço da Gralheira.
Sr. José do Café Salva AlmasCheguei bem cedo, às 4h30 da manhã, mas já não estacionei o carro onde desejava, de forma a poder sair mais cedo, para os lados da Serra da Arada e visitar as aldeias tradicionais perdidas na vastidão da montanha e já pertencentes ao território de Arouca. E neste local, ver o nascer do sol, que do outro lado rompe a serrania do Montemuro, é qualquer coisa digna de ser visto, verdadeiramente espectacular… Às sete da manhã já não se rompia no S. Macário, tal era o movimento de pessoas, carros e autocarros, mas o que mais impressiona é a quantidade de comerciantes que escolhem esta romaria serrana para vender de tudo, até o impensável. Não será exagero nenhum se disser que, em termos comerciais, a típica romaria de S. Macário é o maior centro comercial a céu aberto que se conhece por estas redondezas. Situado nos confins das freguesias de Sul e S. Martinho das Moitas, no concelho de S. Pedro do Sul, o Monte de S. Macário, com mais de 1000 metros de altitude, há muito que está referenciado ao culto deste santo, quanto a mim, de duvidosa ortodoxia, pois até consta e referem as lendas que, mesmo por engano, não deixou de assassinar os seus pais. As duas capelas ali existentes terão resultado da disputa havida entre as paróquias de S. Martinho das Moitas e de Sul, mas em juízo eclesiástico ganhou S. Martinho, que ficou com direito à capela no ponto mais alto da serra. A freguesia do Sul apenas ficou com o direito de ir à Ermida de Cima ou da Cruz Alçada com a procissão da ladainha, no dia da romaria, mas a verdade é que foi a capela de S. Martinho das Moitas que ganhou a maior parte das esmolas deixadas pelos romeiros. Hoje, não sei se será bem assim, porque a ermida de baixo, em dia de festa, está sempre a abarrotar de visitantes. . . quanto mais não seja para conhecer o templo e passar a apertada gruta que ali existe e onde, outrora, terá o santo vivido em penitência profunda. Os de Sul não se deram por vencidos, depois da decisão que estabeleceu os limites geográficos das duas freguesias e a Ermida de S. Macário de Baixo foi edificada em 1769 pelo Abade João de Melo Abreu que paroquiou a freguesia durante 40 anos e faleceu na sede do concelho em Janeiro de 1795. Esta capela foi construída junto a uma gruta, que já referi e onde segundo a lenda e a tradição, terá vivido o eremita, o penitente e o glorioso S. Macário, assim como junto a um casebre onde também se consta que era ali que S. Macário se acolhia. Da capela, simples e singela, passa-se, junto ao altar, através de uma galeria natural para a gruta a que dão o nome de nicho e onde se venera a imagem de S. Macário, numa atitude penitente, mas que não deixa de ser algo estranha, pelo facto da postura ser pouco condizente com uma imagem de sofrimento.
Aldeia de Covas do Monte A lenda diz que, em tempos remotos, S. Macário terá matado uma serpente enorme que aterrorizava os povos da Pena e da região de Covas do Rio. A serpente escondia-se numa cova funda onde apenas saía para espalhar o terror e a morte naquela zona da serra. Aliviada com a morte do monstro, a população construiu uma capela no alto do monte em honra de S. Macário que, como eremita, viveu inicialmente na cova da serpente e mais tarde na capelinha que ficou com o seu nome. Antes da abertura da estrada, os romeiros dirigiam-se ao S. Macário desde quinta-feira anterior, regressando depois de terem cumprido as suas promessas, mas agora também é costume ir à Serra de S. Macário no último Sábado de Agosto, conhecido por “ Sábado derradeiro “. Um pormenor curioso é a placa que assinala a chegada do primeiro automóvel ao topo do Monte de S. Macário, proeza que aconteceu em Março de 1960, pelas mãos do Dr. José Inácio Coelho, por que até aquela data só os “ jeep’s ” dos Serviços Florestais é que iam lá acima. Ainda hoje não deixa de ser impressionante que o interesse dos peregrinos se divida pelas duas capelas na serra de S. Macário, onde se venera o mesmo santo, cuja imagem se apresenta com evidentes diferenças, a testemunhar a rivalidade ainda existente entre as duas freguesias de S. Pedro do Sul. Antes de rumar a casa, atravessando a imensidão da Serra da Arada, onde o objectivo era observar algumas aldeias tradicionais, ainda tive tempo para descer até à aldeia da Pena, a grande atracção da freguesia de Covas do Rio. A aldeia, com pouco mais de dezena e meia de habitantes, só tem sol umas seis horas por dia, e apesar do dramatismo do percurso, a fazer lembrar as estonteantes descidas asturianas, vale bem a pena uma visita. A estrada, construída em 1976, permitiu tornar a aldeia da Pena mais conhecida, estabelecendo ligação com outras terras das redondezas, ao mesmo tempo que permitiu concretizar a aposta da autarquia de S. Pedro do Sul que avançou com um programa promocional que está a ser um êxito e que se recomenda vivamente. As casas de xisto e cobertas de ardósia ainda continuam a marcar a beleza desta aldeia típica da Beira Alta, alicerçada nas profundezas da montanha, mas algumas já foram recuperadas e até já existe uma tasquinha regional onde se pode encontrar especialidades da gastronomia local à mistura com a venda de artesanato, num investimento muito bem aproveitado com fundos comunitários disponibilizados pelo programa Leader. Para além de uma pequena capela, com um ligeiro esboço de torre sineira, a aldeia tem um minúsculo cemitério, ao nível do casario, que nos faz recordar a história do “ morto que matou o vivo “, a terrível tragédia que outrora teria acontecido quando um funeral subia o íngreme carreiro, o único acesso então existente.
Feira da Festa de S. Macário
De regresso à superfície, que é como quem diz, à estrada principal, e não sem antes fazer uma visita ao conhecido restaurante “ Salva Almas “, e ao longo da vasta extensão montanhosa, tive a oportunidade de percorrer a serrania que se reparte pelos territórios de Arouca e S. Pedro do Sul, ficando maravilhado com o enquadramento paisagístico de algumas aldeias mais características da região, encravadas na rocha e em abismo profundos, resistindo ao tempo e ao isolamento, agora bem menos evidente do que outrora. São aldeias plenas de rusticidade, carregadas de tradição e de história, que se perdem no meio de paisagens, ora inóspitas ora deslumbrantes, constituindo um encanto para a vista e um bálsamo para o espírito. A passagem pelo Portal do Inferno, agora feita com mais segurança, e as vistas das aldeias de Drave, Coelheira, Cabreiros, Tebilhão, Cando, Regoufe e Rio de Frades, estas duas últimas terras com vestígios da exploração do volfrâmio no decorrer da última guerra mundial, onde alemães e ingleses coabitaram de forma pacífica, são atractivos mais que suficientes para justificar a aventura por estas paragens de encantamento. Por aqui encontramos aldeias plenas de rusticidade, carregadas de tradição e de história, que se perdem no meio de paisagens deslumbrantes da montanha, constituindo um encanto para a vista e um bálsamo para o espírito. Por aqui encontramos belos exemplares da Raça Arouquesa, cuja carne muito apreciada, está reconhecida com a Denominação de Origem Protegida e certificada desde Dezembro de 1998, que a exemplo da vasta doçaria conventual, é um dos grandes trunfos do turismo em Arouca, onde o visitante pode, também, conhecer o imponente mosteiro, legado à Rainha Santa Mafalda, filha de D. Sancho I e mais tarde adaptado à Ordem de Cister, onde pode encontrar um dos mais completos Museu de Arte Sacra da Península Ibérica. A Serra da Freita faz parte do maciço da Gralheira, juntamente com as Serras da Arada e do Arestal e na sua vasta extensão alberga espécies faunísticas e florísticas raras, algumas mesmo em vias de extinção.
Subida no Portal do Inferno
Percorrer o planalto serrano, é ter a sensação de tocar o céu, libertar-se do stress e das preocupações, sentir a pureza ambiental e recuperar forças para enfrentar as amarguras do quotidiano… A Frecha da Mizarela, queda de água no curso do Rio Caima com mais de 65 metros de altura, na freguesia de Albergaria da Serra, vale uma paragem, assim como a secular Capela da Sr.ª da Lage, para além do fenómeno das Pedras Parideiras junto à aldeia típica da Castanheira, já no acesso para Manhouce, e da Portela da Anta, a par do funcional Parque de Campismo do Merujal, são outros argumentos num verdadeiro santuário da natureza que, a edilidade arouquense tem, com empenhamento e sentido de responsabilidade, tentado projectar e preservar. A vastidão da Serra do Montemuro e a tipicidade das suas aldeias será o tema da próxima crónica de viagem, a pretexto de um passeio ao Mezio, ali para os lados de Castro Daire, onde se come um arroz de salpicão farto e divinal.
* texto e fotos
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Comentários (3)
Muito bom escrito por João Martins, Março 07, 2007
Tive o cuidado de ler o artigo, e gostei bastante. Há "estórias" engraçadíssimas que muitos de nós desconhecemos (falo em Arouca, para não falar no geral). E a parte final do artigo onde enumera algumas das grandes virtudes que tem a "nossa" Freita está muito bom. Somos uns privilegiados por termos algo tão bom e bonito mesmo à nossa beira. Venha a próxima crónica.
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A Serra Encantada escrito por Luís Correia, Março 18, 2008
Caro Carlos, Também sou um amante do TT, btt, pedestrianismo e genericamente de todas as actividades qeu se relacionem directa e fisicamente com a Natureza e com a Natureza no seu melhor como é o caso do vasto e impressionante maciço da Gralheira. Sou de Viseu e este local é para mim quase um refúgio mítico, tantas vezes frequentado para reflexão e fotografia ou aventuras de reconhecimento e descoberta, solitariamente ou em grupo, como tem acontecido nestas últimas vezes. O seu artigo é bastante informativo, acertivo e pormenorizado com rigor e desde já o congratulo, apenas para que se sinta estimulado a continuar a divulgar, por todos os meios ao dispor, esta região de beleza ímpar e, felizmente preservada. Participo num blog, ainda muito recente, de um amigo e colega, onde costumamos descrever as nossas impressões dos caminhos que vamos percorrendo e, nesse "santuário natural" fizemos recentemente os caminhos de Regoufe a Drave e Regoufe a Covêlo de Paivô. Um abraço, L. C.
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Um feliz reencontro escrito por Carlos Tavares Rodrigues, Fevereiro 17, 2009
Andava eu em busca de dados sobre o Santo que aqui se retrata e logo dei de caras com este primor de descrio. Conhecedor destes locais, que aprecio de uma maneira especial, gostaria de convidar o autor deste importante trabalho a dar um salto at aos meus lados, como mais abaixo, onde Lafoes continua o seu encanto, atraves das terras de Oliveira de Frades, Vouzela e S. Pedro do Sul e vai ver que se nao arrepende. Antes pelo contrário: aumnentar, por motivos bem justificados, o seu deslumbramento. Apareça...
Excelente texto de reportagem Ate dá gosto ir conhecer esssas terras serranas Parabens ao senhor jornalista porque descreve tudo muito bem e numa linguagem acessivel a todos
ResponderEliminarGostava que escrevese tambem da minha terra que é Castro Daire tambem temos aqui bons roteiros cumprimentos do Rui Pedro Silva
Arouca e suas historias
ResponderEliminarescrito por armando de almeida pinho, Fevereiro 22, 2009
Este arouquense sor Carlos de Oliveira realmente è muito importante para nò`s que vivemos alem Mar aqui pelo mundo afora , eu no Brasil suas cronicas de Arouca sao muito boas para nossas lembranças de quando muramos na nossa Arouca , adorei a reportagem acima li com muita satisfaçao , mas quero Pedir au sor Carlos que quando ele tiver um tempinho passe nestes lugares da freguesia do Burgo , ai vao ,Alhavaite Avessada Sardoal Marvao belo Horisonte , santo aleixo , levante suas historias e premie todos os leitores de suas cronicas , e membros do Arouca biz , parabens Carlos de Oliveira. Armando Pinho