sábado, 31 de janeiro de 2009

CRÓNICAS DE VIAGEM

Um passeio pela Serra de Montemuro
e um almoço na típica aldeia do Mezio


Reportagem de Carlos Oliveira *

Em tempo recente, quando o meu amigo Adriano Soares resolveu tirar uns dias de férias, depois de um ano ao balcão a memorizar códigos de peças e acessórios para automóveis, resolvemos queseria bom começar o descanso anual com um avantajado almoço num espaço fora do habitual.
Escolhemos um dia de sol radiante para percorrer a zona serrana de Montemuro e visitar algumas das suas aldeias mais típicas e tradicionais do território de Cinfães e Castro Daire. Depois de cruzar terras de Serpa Pinto, o Mercedes SportLine percorreu depressa a distância que nos separava de Castro Daire, mas depois das Portas do Montemuro, pela EN 321, resolvemos atalhar caminho e subimos a serra pelo Picão até ao Feirão, Campo Benfeita e Gosende, para entrar depois na EN 2, que faz a ligação até à cidade de Lamego, onde decorriam as grandiosas festas em honra da Sr.ª dos Remédios, uma das mais importantes romarias de Portugal.
A Serra de Montemuro está inserida num dos mais importantes maciços montanhosos de Portugal, sendo limitada a norte pelo Rio Douro, a poente pelo Rio Paiva e a sul e a nascente por uma linha que abrange os territórios dos municípios da Régua, Resende, Lamego e Castro Daire. E se nas vertentes do Douro, desde as terras de Cinfães, encontramos a predominância do cultivo da vinha, já na zona voltada para o Paiva, as plantações de pinhal e eucalipto são evidentes, estendendo-se até ao concelho de Arouca.
Com 1382 metros de altitude, esta zona serrana tem excelentes pastagens durante todo o ano, cenário de primazia para imensos rebanhos de ovinos e caprinos que por aqui abundam, pouco incomodados com o ruído das dezenas de aerogeradores dos parques eólicos que por aqui se foram instalando, o último nas imedições da Capela de S. Pedro do Campo, zona de culto religioso, local de lazer onde se realiza uma feira anual muito concorrida, onde a atracção principal são as lutas de bois, que proporcionam disputas bravas e apostas entre os proprietários.
Sentimos a imensidão da serra despovoada, o ar puro que se respira, o privilégio de ter uma espaço imenso só para nós, imagens de aldeias que o tempo preservou, e seguimos em frente, deitando os olhos à Capela da Srª da Ouvida, junto à EN 2 e à A24, que divide o espaço com a zona industrial, onde se produz bom fumeiro, com destaque para um presunto de grande qualidade.
O repasto aconteceu no restaurante da Associação Etnográfica do Montemuro, no Mezio, uma aldeia tipicamente serrana do concelho de Castro Daire onde, entre diversas especialidades da região, se come um arroz de salpicão divinal, acompanhado com pão de centeio e um excelente vinho do Dão, ementa simples e singela, mas que nos deixa “ como o aço “, terminologia usual do meu companheiro de viagem.
Para além do restaurante e café, localizado junto à EN 2, a colectividade tem aberto um Centro Regional de Artesanato, onde se pode encontrar, entre vários artigos da região, as tradicionais peças em linho, com modelos e trabalhos para todos os gostos e bolsas, assim como tem em actividade, um grupo de teatro, que tem desenvolvido um trabalho de grande profissionalismo, por todos reconhecido e elogiado.
Depois de passar por Bigorne e dar uma espreitadela no novo Aterro Sanitário do Douro Sul, estivemos em Felgueiras e paramos no miradouro da Capela de S. Cristóvão, a 1141 metros de altitude, para olhar a amplitude da Serra das Meadas e ver o parque eólico ali instalado, um dos primeiros a funcionar em Portugal.
Todos os anos, a 25 de Julho, aqui se realiza uma importante feira de gado, onde acorre gente de todas as redondezas, mas também se realiza uma procissão onde se cantam ladaínhas de penitência.
A imagem de S. Cristóvão é de pedra arcaica e a sua devoção é grande, porque além de ser o conhecido protector dos motoristas, ele é muito invocado como o santo libertador dos cravos, que geralmente surgem nas mãos e pés.
Diz o povo, na sua imensa sabedoria, que na região há 4 irmãos que se vêem uns aos outros, ocupando capelas em locais de grande altitude : S. Cristóvão, S. Macário, Santa Helena e S. Silvestre. Importante é não deixar de passar uma visita à Capela de Nª Sr.ª do Fôjo, rústica e com ar românico, e um pouco mais à frente ocasião para desfrutar uma vista sobre a baixa do Rio Balsemão.
Para trás ficou a Cruz do Rossão, com a sua singela capelinha, e depois do cruzamento, pelo caminho à esquerda chegamos a Picão, com uma igreja de nichos de alminhas, fontes rústicas despejando água gelada da serra, e duas impressivas máscaras de granito cravadas num muro, ás quais o povo chama o Picão e a Picoa, ao que me contam lendários fundadores desta povoação, onde a confecção artesanal de artigos em lã e linho ainda está enraizada.
Antes de chegar à vila de Resende, ainda tivemos tempo para apreciar um pouco a Igreja e o Mosteiro de Santa Maria de Cárquere, de origem românica, merecendo especial interesse a torre medieval e a janela da capela funerária dos Condes de Resende.
Concretizada uma volta pela zona urbana da vila, onde tomámos conhecimento da expansão verificada em termos de construção habitacional e do comércio, fomos tomar um copo à Cova Funda, um antigo café que continua a resistir às tendências modernas, mas que continua a fabricar as melhores Cavacas de Resende, um doce tão fino que, para além de ser a “ rainha “ da doçaria regional, é o verdadeiro “ ex-libris “ de Resende, como outrora dizia Brito de Matos, o autarca que esteve um quarto de século na liderança da edilidade.
Hoje, não há nenhum café ou restaurante na vila que não as tenha à venda ou tenha mesmo fabrico próprio e a Câmara Municipal, a exemplo do que faz com a produção da cereja, já institui um certame próprio para promover este apetecido doce.
Adquiridas as cavacas para casa, a próxima paragem foi na esplanada da Praia Fluvial de Caldas de Aregos, que está cada vez mais reduzida, impôndo-se que a autarquia de Resende tome as necessárias providências antes que a praia desapareça e o concelho perca um dos seus emblemáticos postais turísticos.
Consta-se que, para o local, está projectada uma grande marina, que possibilitará a acostagem de dezenas de embarcações de recreio, mas a praia, ainda que pequena, é um pólo turístico daquela zona termal, agora enriquecida com um moderno hotel de excelente apresentação. Após uma passagem fugaz pelo Penedo de S. João, num cabeço que permite ver o horizonte do Douro e as povoações de S. Romão e de Aregos, onde gostamos de ver as obras ali concretizadas, num utilitário parque de merendas, fomos descansar um pouco na esplanada da Estalagem de Serpa Pinto, em Porto Antigo, uma unidade hoteleira de bom nível, já referenciada pelo Guia Michelin.
Entre uma imperial e a brisa que chegava dos lados da Pala, ali ficamos a contemplar os barcos de cruzeiro que sulcavam o Douro, a apreciar beleza daquela zona da foz do Bestança e a discutir as potencialidades que ainda estão por explorar neste espaço fluvial de deslumbrante encanto. Voltamos a subir a serra, de novo até às Portas de Montemuro, local de interesse arqueológico, partilhado pelos concelhos vizinhos de Cinfães e Castro Daire, e considera do como imóvel de interesse público, já referenciado nas inquirições de 1258. Consta que o sítio atesta os vestígios de um povoado fortificado da Idade do Ferro, talvez integrado na cultura castreja e que depois foi reutilizado pelos romanos e durante a reconquista, durante a passagem dos combatentes à ordem de D. Afonso Henriques.
Apesar da capela ali construída, e cuja feira se realiza no terceiro Domingo de Agosto, outros optam por referir Muro das Portas, evidenciando que os caçadores e pastores ali se protegiam do rigor do Inverno, sendo verdade que o nome pode estar mesmo relacionado com a passagem dos rebanhos transumantes da Serra da Estrela.
Acabamos a fazer umas compras para uma churrascada e descobrimos um vinho verde tinto excelente, rótulo Tapada dos Monges, oriundo da região de Fafe, que justifica bem o preço que apresenta, tal o nível da sua qualidade, um autêntico néctar dos deuses que acompanha bem uma posta arouquesa grelhada só com sal.
Foi um dia em cheio, que voltou a fazer perceber porque razão, só na serra é que sentimos a tranquilidade e o conforto que necessitamos para a alma e para o espírito, contrariando o “ stress “ deste quotidiano de crise que só nos trama a existência.
Havemos, se Deus nos ajudar, de percorrer outras vertentes serranas, e falar-vos de uma visita à típica aldeia cinfanense da Gralheira, a segunda freguesia mais alta de Portugal ( Sabugueiro continua na liderança ) e provar um cozido tradicional que ali se serve, agora que a mania das “pizzas ” em forno de lenha já chegou ao topo da serra.


* Jornalista

Sem comentários:

Enviar um comentário