quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Crónica de Viagem

UM PASSEIO DESDE VILA VIÇOSA
Á TERRA " ONDE O MORTO MATOU O VIVO "






Saí de Vila Viçosa bem cedo, percorrendo o actractivo Vale do Paiva pela EN 225 por Alvarenga, Cabril e Parada de Ester, onde a paragem para o cafezito da praxe é sempre uma obrigação.
O objectivo desta incursão pelo Maciço da Gralheira era chegar a Covas do Rio, com o destino marcado para a mitica e emblemática Aldeia da Pena, não sem antes subir ao Monte de S. Macário, onde o santo disputa a fé de duas freguesias.

Um relance pelo horizonte irregular oferece um recorte em bruto de arestas soltas. Mas a natureza rude do local não espantou a beleza nem a vida. E deixou a vegetação tomar conta de maior parte da geografia, apesar da vertigem telúrica, que empurrou as povoações para vales profundos.
Entre o abrigo das montanhas, a vida começa cedo. Em Covas do Rio, concelho de São Pedro do Sul, a chegada do carro do padeiro agita a tranquilidade. Abre-se a porta de trás da carrinha e o cheiro a pão e bolos liberta-se e ganha nitidez na matriz silvestre do ar, quase imaculado.
Muitos visitantes chegam à aldeia, são forasteiros de todo o lado que se reúnem na orla da aldeia. A maioria vem da zona do Porto, mas há também quem venha de Viseu e de Lisboa, e até jornalistas ficam maravilhados com o silêncio e a grandiosidade da cordilheira montanhosa que envolve a aldeia, nas profundezas da serra.
Longe do bulício urbano, sente-se o impacto do oxigénio fresco nos pulmões. Vale a pena conhecer este pedaço de Portugal...
A descida é vertiginosa, os travões do Golf aguentam o desafio e o esforço, depois da garganta está a Aldeia da Pena». O trajecto aperta-se entre dois maciços montanhosos. A vegetação dissimula-o, mas, entre os vincos do xisto, o cenário revela-se surpreendente e enigmático...
Um grupo excursionista segue pela vereda estreita. A água é uma espécie de radar sonoro, que sobreviveu aos vestígios de antigos moinhos. Quando mais perto se está da garganta que o dedo da guia sublinhara, mais o caminho se aperta.
As mochilas parecem ficar mais sensíveis à gravidade. Mas tudo parece ter também um efeito inversamente oposto no ânimo deste grupo que encontramos, cujo esforço é recompensado com a visão imperdível da Pena. Lá está a tão falada aldeia da Pena, que se oferece por entre o vinco estreito de duas moles de xisto.
Aninhada dentro de um caldeirão rochoso, a pequena terra suscita muita curiosidade e a pergunta é um imperativo da viagem : " Quem se terá lembrado de vir para aqui ?».
A opção parece inexplicável, para quem está habituado às proximidades que a cidade oferece. Mas ali, aparentemente, longe de tudo, parece-se estar-se perto da tranquilidade perdida das cidades, aqui tudo é silencio, acalmia e até o sol tem hora marcada para surgir e desaparecer entre os altos penhascos da montanha.
Com a visão sossegadora da aldeia. A erva ensolarada parece o sítio perfeito para descansar e aliviar o peso da comida nas mochilas, antes de entrar pelas suas ruas estreitas e ultrapassar a sugestiva placa no início do caminho percorrido, " o caminho onde o morto matou o vivo».
Terá sido lenda ou tragédia? Não falta quem se prontifique a contar a história e nós atentos aos pormenores, porque esta gente simpática e hospitaleira, gosta da nossa atenção...
Noutros tempos, muito antes do conjunto de casas ter ficado reduzido á dezena de habitantes, que actualmente lhe sobreviveram, a aldeia não tinha cemitério. Quem morresse tinha que empreender uma última viagem até Covas do Rio pelos desequilíbrios do carreiro que segue ao lado da linha de água.
Numa dessas vezes, reza a história, o caixão atraído pela vertigem soltou-se com um dos seus carregadores atrás. E a jornada, que começara com um morto, terminou com dois. O caminho acabou baptizado pelo trágico incidente e ainda hoje perdura a memória da tragédia...
À noite, as luzes acendem-se em poucas casas. Durante o dia, o movimento gira em torno de dois pólos. Na casa da dona Augusta e do senhor António, que regressaram, depois de décadas de ausência por Lisboa, para abrir uma pequena loja de artesanato, e de um casal mais jovem, que se ocupa de um restaurante no retiro montanhoso, onde também vendem miniaturas de xisto, e das duas filhas que já nasceram ali.
A Dona Augusta conta que há muitas décadas atrás tinha de vencer diariamente o caminho para ir para a escola. O senhor José explica que tinha que fazer o mesmo para vir visitá-la, quando ainda namoravam. Coisas de uma vida repleta de dificuldades na luta pela sobrevivência...
O caminho onde o morto matou o vivo foi substituído agora por outro, que talha uma das encostas e permite aos carros chegar ao local. Mas o trilho ancestral continua lá, à espera que quem se atrever a visitá-lo, numa homenagem à vida que passou durante muito tempo por ali. Satisfeitos por conhecer o local, renovamos os votos de voltar em breve e enfrentamos a dureza da subida íngreme até ao S. Macário, onde o senhor José do Restaurante " Salva Almas " já nos esperava com uma pratada de bacalhau e um vinho do Dão que nos deu forças e alento para continuar a jornada até Arouca, não sem antes concretizar uma paragem na " venda " de Regoufe para um cafézito e mais umas fotografias do que resta do antigo complexo mineiro.

* Carlos Oliveira - reportagem

1 comentário:

  1. Boa reportagem aliciante e bastante informativa para fazer o percurso Parabens senhor editor

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