quarta-feira, 25 de março de 2009

Crónica de Viagem


Desde Vila Viçosa até à " Ruta del Plata "

Á descoberta da “ Tierra del Vino “
e das Bodegas “ El Perdigón “










Por Carlos Oliveira *

Recentemente, reunido um grupo de amigos, partimos à descoberta de um “ pueblo “, ali para os lados de Zamora, na província de Castilla y Leon, que tem umas famosas adegas subterrâneas, onde se come bem e bebe melhor, num ambiente “ sui generis “ que motiva para a desejada confraternização.

Pela Serra de Montemuro, rapidamente se chega à A24, um eixo rodoviário que nos veio aproximar da raia transmontana e, consequentemente, da vizinha Espanha, agora cada vez mais atractiva para os portugueses, tal a inflação que por cá se pratica e que cada vez mais nos atrofia o quotidiano.
Vencida a subida que nos leva do Douro a Vila Real, entramos pelo IP4 no território da “ terra quente “ transmontana, e recordo o tempo que vinha para estes lados ás corridas de Vila Real e à Rampa de Murça, passamos depois ao lado da florida e acolhedora terra de Mirandela, que se alindou desde os tempos do falecido José Gama, o caprichoso autarca que aproveitou ao máximos os dinheiros comunitários e, tirando partido do Rio Tua, transformou a cidade como uma das mais bonitas do interior, com o seu conhecido Pólo Universitário, onde a minha filha chegou a ser contemplada no concurso nacional.
Aqui é terra das famosas alheiras e do bom azeite, de jardins floridos e do antigo Palácio dos Távoras, do século XVII, onde hoje estão instalados os Paços do Concelho, com a ponte velha de vários arcos a ser um cartão de visita sobre o espelho de água criado com a represa do Tua e a Ponte Europa.
Chegados a Macedo de Cavaleiros analisamos o trajecto, mas optamos por seguir em frente até Bragança, já que a EN 216 por Mogadouro e a EN 221 por Miranda do Douro, com um traçado longo e sinuoso, não nos pareceu a forma mais rápida de chegar à fronteira, apesar de sabermos que o percurso pela terra dos “ pauliteiros “, zona do azeite e das amendoeiras, é mais emblemático, com o cenário das arribas do Douro e as Barragens do Picote e Bemposta a cativar visitantes.
Paramos em Bragança para o cafézinho da praxe e tiramos do carro a milagrosa garrafinha verde, outrora recordação de Amesterdão, que agora serve para levar o bagacinho com mel nas nossas andanças, que nos dá alento a prosseguir a viagem, mesmo sabendo que, a “ Guardia Civil “ também não perdoa, mesmo sendo turistas.
Cidade fronteiriça e capital de distrito, Bragança desenvolveu alguma coisa, mas continua a pagar a factura da interioridade, ao ponto de ser a única sede distrital do país que não é servida por auto – estrada, apesar de já haver a promessa governamental da transformação do actual IP4 desde Amarante até Quintanilha.
Encravada nas montanhas do Nordeste Transmontano, vale a pena conhecer a cidade, que é digna de se ver do alto da sua cidadela, com o seu pelourinho erguido numa base chamada “ porca da vila “, e mesmo em frente ao castelo bem conservado, a “ Domus Municipalis “, monumento ibérico da arquitectura civil medieva da Península Ibérica, onde outrora se reuniam os senhores e os homens – bons da terra.
Terra de lendas, arte e tradições, a velha catedral, templo quinhentista doado aos jesuítas, o Museu do Abade do Baçal e antiquíssima Igreja de Stª Maria, com uma mistura impressionante de estilos, são monumentos a não perder numa visita, ainda que fugaz, em Bragança.
Combinámos uma passagem rápida a Rio de Onor, numa vertente do Parque Natural de Montesinho, aproveitamos a oportunidade de conhecer este povo que coexiste nos dois lados da fronteira, perceber o seu dialecto singular, os ancestrais usos e costumes, as leis herdadas que governam a povoação, o regime comunitário da propriedade, entre outras coisas que evidenciam a tipicidade de uma aldeia com características únicas.
Não há tempo a perder, seguimos viagem, passamos a fronteira na velha ponte sobre o Rio Maças e entramos em Espanha pela N122, uma estrada bem diferente, mais aberta e ampla que, ao que nos contaram, está nos planos do Governo Espanhol, para ser transformada em “ auto – pista “, fazendo a ligação a Zamora, que em breve terá o prolongamento da A62, desde Valladolid.

A urbe de Zamora está apenas a 50 km de Bragança, passamos por Alcanices e começamos a perceber a proximidade das terras “ del Duero “, zona de barragens e de cultivo da vinha, com produção em larga escala de vinhos encorpados, de boa intensidade e côr.
Por esta região, já se situou a sede da Associação dos Municípios Ribeirinhos do Douro, que integra 30 municípios portugueses e espanhóis e cuja criação assenta em princípios e objectivos que têm como base a valorização e o desenvolvimento dos municípios envolvidos no projecto, todos eles com o Rio Douro como denominador comum.
Zamora é uma cidade atractiva, bem cuidada, a respirar história em cada canto, que vale a pena visitar em qualquer ocasião. Na margem norte do Rio Douro, a antiga cidade muralhada já não contém muitos vestígios do seu importante passado, mas a parte antiga é rica em igrejas medievais, ao ponto de já ter sido apelidada de “ Museu Românico “.
A mais conhecida é a sua Catedral, do século XII, maioritariamente em estilo românico, mas com algumas evidências góticas, destacando-se a sua cúpula hemisférica, os portais ornamentados e os espectaculares cadeirais do coro, repletos de esculturas alegóricas.
Das várias outras igrejas da zona da cidade velha, a de Santo Ildefonso, do século XIII, e a Igreja da Madalena, com um belíssimo portal, são os exemplares românicos mais interessantes, mas na cidade de Zamora também se justifica uma vista de olhos a dois palácios imponentes, a Casa de Los Momos e a Casa del Cordón, com bonitas fachadas e janelas esculpidas, assim como uma igreja na zona de Toro, também conhecida pelos seus vinhos, onde na Colegiata de Santa Maria se pode apreciar um célebre quadro do séc. XII denominado “ A virgem da mosca “.
Nesta província, num regresso de El Bierzo, recordo uma passagem em 2004, na encantadora vila de Puebla de Sanábria, com as suas típicas casas de xisto em ruelas medievais, uma igreja muito antiga e um castelo do séc. XII, para além de uma atractiva reserva natural que envolve o Lago de Sanabria, o maior lago glacial de Espanha, lugar estupendo se quisermos deleitar o olhar com o “ material “ que por ali pratica uma vida sem tabus…e sem roupas.
Nos últimos tempos muito se tem falado de cooperação transfronteiriça, daí perceber as claras vantagens de uma estratégia comum de afirmação do papel de "interface" do Nordeste Transmontano e da raia de Castela e Leão, até porque a região portuguesa centrada em Bragança tem potencialidades para desempenhar claramente o papel de plataforma transfronteiriça.
Confirmo que D. Afonso Henriques (1109-1185) foi armado cavaleiro em Zamora, na antiga Igreja de El Salvador, sobre a qual se construiu a Catedral. Mais tarde, em 1143, seria também aqui que o seu primo, Afonso VII, monarca do Reino de Leão, lhe reconheceria o título de Rei de Portugal.
Em homenagem a este laço histórico, foi criada a Fundación Rei Afonso Henriques, sedeada no Convento de São Francisco, na outra margem do Douro/Duero face à cidade muralhada de Zamora. A Fundação criou um Instituto Inter-universitário que coopera com as Universidades de Salamanca, Valladolid, Leão, Porto e UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro).
Mas continuemos a viagem que se faz tarde, rumo ao almoço, a “ ternera “na brasa espera-nos e o estômago já ronca…
A sul de Zamora, a escassos 9 km de distância, percorre-se a estrada de Ledesma e entra-se na “ tierra del vino “ pela famosa “ Ruta del Plata “ e fomos à descoberta de uma localidade pequena e apinhada chamada “ El Perdigón “, cujo encanto e fama está associado ás suas típicas “ bodegas “ subterrâneas, bem características desta região da Comunidade de Castilla y Leon.
Ficamos a saber que estas adegas rústicas e antigas, espalhadas tipo promontórios um pouco por toda a zona oeste da localidade, foram laboriosamente construídas por baixo da terra, com profundidade variável entre os 7 e os 15 metros, para melhor conservar o vinho, com o objectivo da sua fermentação se concretizar em condições especiais, quer ao nível da humidade e da temperatura.
Antigamente esta zona era caracterizada por grandes extensões de vinhedos, mas hoje as coisas são diferentes, e apenas se vislumbram algumas dezenas de hectares e algumas adegas com nova tecnologia .
Trabalhadas manualmente e cimentadas com blocos de pedra talhada, com várias divisões e abóbadas de vigas cruzadas, pode-se aceder ao fundo através de escadas, e hoje, depois de abandonadas para a sua função original, acolhem espaços atractivos para a restauração, para o comércio de vinhos e artesanato regional.
Mesmo à entrada da povoação, na primeira rua à direita, encontramos a “ Bodéga Pámpano”, uma verdadeira catedral da restauração, onde num ambiente acolhedor, evidenciado na mistura do antigo e do tradicional, podemos saborear as melhores carnes da região na brasa.
Tanto se pode entrar para beber um copo e comer umas apetitosas “ tapas “, ou para sentar e apreciar umas costeletas de vitela assadas na brasa, saborosas entradas, com chouriço, morcela, um presunto divinal e um queijo apetitoso, tudo acompanhado com os melhores vinhos da terra zamorana.
Percebo agora porque é que dizem que nestas paragens, “ a aficion “ é comer bem… “chuletillas de cordero “ ou “ chuletas de ternera ” venha o diabo e escolha, desde que sejam acompanhadas por um Tinto DOC da zona de Toro, até saímos com os olhos em bico.
Em El Perdigón del Vino existem mais de 300 adegas, mas claro que nem todas estão aproveitadas para este tipo de restauração, mas as mais famosas são a Cubata, Antigua, Los Yugos e El Portal, entre outras.
Valeu a pena visitar estas “ tascas subterrâneas “, cada uma delas diferentes, com a sua tipicidade, com a sua decoração, boa música ambiente, onde os sons celtas, das sevilhanas e do toureio são lenitivo para os ouvidos, com a sua gente simpática e hospitaleira, que tudo faz para que o cliente e o visitante se sinta bem e que possa recordar o que de bom tem a cultura castelhana, a forma de viver e gozar a mesa, numa sublime evocação do sector vinícola que ainda tem forte representatividade na economia local.
Satisfeitos e de barriga farta, deixamos a terra de Cervantes e tomamos rumo a casa, agora pelo trajecto que rejeitamos na viagem de ida, chegando a Miranda do Douro pela “ carratera “ ZA 324, seguindo depois pela tortuosa EN 221 em direcção a Torre de Moncorvo, para apanharmos um pequeno troço do IP 2 e depois a conhecida EN 222 por S. João da Pesqueira, descendo até à outra margem da Régua para apanhar a A24, ligação rápida e funcional, sem custos para o utilizador, que em três tempos nos coloca em Cinfães e no conforto do lar.
Para a próxima conto-vos a história de uma curta visita ao Alentejo profundo, à terra do meu amigo Emílio Sabido, ele que já foi presidente da CM de Sousel, terra enquadrada no distrito de Portalegre, de boas comidas e vinho forte, onde as temperaturas elevadas convidam ao descanso à sombra de um chaparro.

*jornalista

2 comentários:

  1. Ola senhor Carlos
    mas que grande reportagem esta
    deve ser um passeio fabuloso e como sempre ficamos com as informaçoes todas porque relata em pormenor tudo muito bem
    Obrigada pelas fotos de turismo e do hotel que me mandou vou utlizar no trabalho parabens

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  2. Sim senhor pá, mas que bela sugestão de passeio! O vinho é de facto bom?

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